Tuesday, October 9, 2007

João 2.12-25



O oportunismo mercadológico não é um fenômeno contemporâneo e a espiritualidade é um campo deveras lucrativo. Entretanto existe um abismo instransponível entre a espiritualidade capitalista e a espiritualidade propriamente, ou seja, do Reino. Neste sentido Jesus não contraria a necessidade da obtenção material, mas alerta sobre o perigo tendencial dos meios virarem fins, da nossa existência não transcender a sua mera manutenção. Ademais é provável que o zelo de Jesus seja desanuviar todos os elementos que impedem perpassar os objetos rituais – quando os indivíduos visam estes objetos como meros meios para obtenção de um fim sem terem consciência da relação mais ampla da mediação proposta nos rituais e dos seus objetos; e se o próprio templo estiver contaminado, onde buscar a verdadeira compreensão?

Jesus não poderia se tornar mais compreensível tanto nas suas obras como nas palavras? Por que expôs um evento futuro tão incompreensível a partir de um instante presente questionado pelos judeus? Não há uma tentativa apologética de Cristo a todo custo e em todos os momentos. A resposta de Jesus aos Judeus trouxe uma incompreensibilidade ainda maior do que a própria questão produzida pelas suas reações e atos no templo, até a compreensão dos seus discípulos foi posterior: após a ressurreição de Jesus. Decerto o exercício da fé pressupõe paradoxos racionalmente intransponíveis, barreiras existentes pelo fato do pecado intrínseco a toda raça humana.

O verbo utilizado, da referência lembrada pelos discípulos, para descrever a afecção intrínseca de Jesus é katesthio, devorar por dentro. O que provocou Jesus a despertar tal afecção da alma? Que essência encontra-se nos movimentos pelo fluxo dos acontecimentos do eterno limitado ao finito? Como justificar tamanho zelo? O tropeço diagnosticado por Jesus da relação capitalista com a espiritualidade aponta a incompreensão do essencial: a espiritualidade não pode ser confinada à produção de elementos espirituais nas lacunas existenciais criando e suprindo necessidades à psique humana, em específico à satisfação a nível do sentimento. O templo como possibilitador transcendental da finitude em infinitude presentificado na forma humana, se indignou dos equívocos quanto ao verdadeiro objeto do télos humano: a sua morte e ressurreição não são meras simbologias, mas a pura efetivação da catarse ética e moral humana, a condição de possibilidade ao desfruto da esfera eterna.

Entretanto a compreensão do mistério nunca é automática, a fé que transcende a razão – mas ao mesmo tempo não prescinde desta – se efetua insuficientemente ao longo do caminho onde o verdadeiro templo transita. Aliás, ela se manifesta em graus e gêneros distintos de indivíduo a indivíduo, da apreensão sensível ao inteligível, ao produto final do apreendido sempre corre o risco do equívoco, doravante a tarefa será árdua, mas terá a validade garantida a toda humanidade concomitante ao risco da incompreensão.

Ao conhecedor das intenções humanas não vale a fé cosmética, é necessário atingir a gênese da intencionalidade humana, por conseguinte o remorso será genuíno, o diagnóstico correto efetiva a verdadeira terapia, estes indivíduos perpassaram os sinais e milagres de Cristo e visaram o Messias propriamente. A estes é chegado o Reino dos Céus.

1 comment:

Tiago Ramos said...

Daniel,

Gostei bastante deste post. Como de costume exige atencao redobrada na leitura.

Interessante notar que aqui voce passa perto de uma linha bastante fina que e aquela que separa a critica a falsa espiritualidade e a critica ao Capitalismo.

No contexto do episodio narrado nao sei se seria licito falar em Capitalismo como sistema. O uso do termo trai um certo intento de colocar o Capitalismo em si, que conhecemos hoje, como a pratica condenada por Jesus. Posso estar enganado, mas foi a impressao que tive. Se for o caso de tentar associar as duas coisas eu veri ai uma complicacao: a confusao de um sistema economico com um sistema de valores. A ideia de que o Capitalismo e um sistema de valores e tipica de dois grupos: os socialistas, comunistas e esquerdizantes e os liberais ateus. Para eles, em lados opostos do espectro politico, o Capitalismo pode ser mau ou bom.

Sou a favor de uma visao distinta. Aquela de que o Capitalismo e um sistema economico que pode ser informado pelos valores da sociedade onde ocorre. Como sistema, ele nao pode prescindir de uma base de valores eminentemente protestante para funcionar corretamente. O respeito pelo trabalho, pela palavra dada, a responsabilidade individual (e nao o indivisualismo desenfreado) e o amor ao proximo (sem o que o sistema certamente degringola: ou cria um abismo muito grande entre ricos e pobres, ou gera exploracao de quem produz pelo que depende de assistencia governamental sem trabalhar). Ao contrario de ideologias que pretendem mudar o mundo para salva-lo, o Capitalismo nunca se constituiu em corpo doutrinario, nem muito menos deu origem a qualquer tipo de espiritualidade. O que voce chama de espiritualidade capitalista e anterior ao sistema e vem da simples vontade humana de querer o melhor para si aliada a uma incompetencia radical para discerni-lo, crendo que sera satisfeito meterialmente e isso basta.

Ao olhar para o texto de Joao, me parece que Jesus faz algo diferente da simples condenacao do Capitalismo (como um Boff gostaria que fosse) mas ele se esforca em dissipar dos olhos de todos a pessima cegueira metafisica que e o materialismo, em prol de uma espiritualidade genuina. O ser humano possui uma tendencia a nao suportar o contato direto com o Deus verdadeiro, transcendente. Mesmo na historia da igreja os Catolicos incorreram no erro de procurar mediadores que falassem com Deus. Voegelin atribui essa atitude a uma visao de mundo herdada da Babilonia, e tem bons elementos para faze-lo. Ao ler o evangelho me parece que Jesus, mais que afastar um comercio que de certa forma sustentava o templo e facilitava os sacrificios oferecidos, afastava a mediacao, quer de comerciantes, quer de profetas, para que por ele somente chegassemos a Deus. A dstruicao do templo nao foi so de seu corpo, mas foi a destruicao do que o templo representava. Creio que o anuncio de Jesus foi um ato simbolico. O templo foi de fato destruido quando o corpo de Cristo foi destruido. O fim da alianca de todo o povo com Deus, tipica da teocracia de Israel, e o comeco da alianca individual com Deus, de "quantos o receberem" e o evento anunciado com a ideia de destruicao do templo. Nesse sentido voce acerta na mosca.
Ah, o ultimo paragrafo foi simplesmente poetico. A sua linguagem um pouco hermetica tem essa caracteristica mesmo, e sempre um prazer a leitura.

Um abraco,

Tiago