A participação descrita de Jesus é num evento social. O fluxo dos acontecimentos é de caráter cotidiano, tanto da parte de Cristo como das ocorrências externas a ele.
O movimento natural dos eventos fluiria sem quebra exceto pela intervenção da sua mãe. O texto (3,5) parece pressupor algum grau de compreensão da mãe em relação ao filho quanto à sua capacidade em solucionar problemas. Aparentemente a resposta de Jesus choca (24): “o que tenho em comum contigo, mulher?” A união hipostática integra-o absolutamente com o pai e a sua consangüinidade com a mãe. Conjugado a isto, constata-se a sua submissão dual, ora aos desígnios dos pais terrenos (Lc 2.51) ora aos dos co-participante constitutivo do seu ser. Efetiva-se aqui o momento da cisão, doravante a sua submissão será exclusiva e sem interferência: é chegado o Reino de Deus na terra!
A conexão do que Jesus afirma a seguir com o antecedente é difícil (4): ainda não é chegada a minha hora. O que o timing de Jesus tem a ver com a sua dessemelhança em relação à sua mãe? Não sabemos. E quanto ao timing propriamente? Estaria ele fazendo remissão ao 17.1? Ou remeter-se-ia ao início da manifestação da sua divindade pelas suas obras?
O provador de vinho não foi um dos empregados nem qualquer dos convidados. Levaram o produto transformado àquele determinador dos consumos adequados ou não à festa; este não testemunhou o evento causal da transformação, constatou apenas o efeito. Ora, do ponto de vista da causalidade natural – toda causa tem o seu efeito, tanto no seu movimento anterior como no posterior, ad infinitum – ocorre o absurdo lógico, o efeito não seguiu a sua causalidade natural – o vinho teria que ter como causa a uva e assim por diante. Ao mestre-sala isto era mais do que evidente; os empregados, bem como a mãe de Jesus e os discípulos – os testemunhos do instante causal – não tinham como deduzir logicamente o ocorrido. Inicia-se assim a manifestação da glória divina.
O exercício idiossincrásico da fé é aferível quanto a sua validade qualitativa? O evangelho de João parece descrever os múltiplos pressupostos pelos quais as pessoas derivam a apreensão das obras e dos ensinamentos de Jesus. A finalidade de Cristo é levá-los à compreensão e conseqüente efetivação do Reino celestial na terra – cujos componentes essenciais são, portanto, intangíveis meramente na esfera da finitude humana. Ora, Jesus Cristo é o Reino, logo está em questão o ser dos indivíduos, a problemática toda não é de natureza física, mas meta-física, de natureza ontológica. Neste sentido os efeitos externos ao ser-humano são derivados das causas internas; por conseguinte à compreensão da fé é mister considerar os componentes que estruturam a possibilidade humana no campo ético e moral: a liberdade da vontade predisposto pelas faculdades sensíveis e inteligíveis e da faculdade da imaginação. Se o Reino como finalidade é de caráter interno, a sua efetivação é interna, a condição de possibilidade desta efetivação é o exercício da fé, a fé propriamente é incognoscível bem como a sua relação com as outras faculdades humanas.
Afigura-se a fé dos discípulos não da compreensão clara do Reino, ou seja, de quem Jesus é, mas provavelmente de uma percepção muito mais a nível do sensível, a gênese do aprimoramento de possíveis perspicácias perceptivas futuras.
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