Tuesday, October 9, 2007

A insuficiência da vontade humana e a possibilidade em retomá-la

Gênesis 3 remonta a causa sui da perda em potência e em ato da compreensibilidade e efetivação da completude humana: a escolha equivocada desde o exercício da liberdade pela vontade. A escolha pressupõe a capacidade inerente em deliberar as múltiplas alternativas perspectivais e posteriormente decidir por aquele que tendeu mais fortemente à força do querer. Neste sentido o equívoco foi o de se deixar pender o seu querer às perspectivas que se mostraram mais atraentes de imediatos ao invés de manter a perspectiva na sua amplitude máxima, ilimitada por sua natureza, mediada pelo próprio Deus.

Requer-se então iniciar o caminho teleológico humano pela imediatidade da percepção sensível do divino e gradativamente procurar as mediações das relações por detrás das imediatidades. É o caminho do retorno, na concepção vetero-testamentário e o caminho da metamorfose na concepção neo-testamentário. Utiliza-se a mesma faculdade que propiciou a sua queda neste processo da retomada. No exercício do seu querer, a liberdade pressuposta, a raça humana delibera quanto às alternativas perspectivais e decide pelo correto ou incorreto, porém com uma variante: o homem e a mulher em Gênesis deliberaram pela interação da perspectiva divina e humana entremeados intrinsecamente onde o divino permitiu a lacuna do arbítrio, o suficiente para o engodo externo furtá-lo das prerrogativas do vir-a-ser verdadeiramente humano. É mister não nos equivocarmos em responsabilizar a isca haja visto a sua necessidade no processo da provação, ou seja, sem o elemento que o incite à sedução excluiria o exercício da vontade à deliberação e decisão, componentes estes inerentes à determinação ética-moral do ser-humano, neste sentido a responsabilidade da escolha recai única e exclusivamente no humano. Na sua condição atual não há mais intrinsecamente no humano o entremeio perspectival do divino ao humano, o próprio exercício da vontade é inadequado, exige-se buscar inclusive qualidades faltantes à vontade fora dele, não é possível retomar o caminho por si, resta aguardar a boa vontade divina.

João 2.12-25



O oportunismo mercadológico não é um fenômeno contemporâneo e a espiritualidade é um campo deveras lucrativo. Entretanto existe um abismo instransponível entre a espiritualidade capitalista e a espiritualidade propriamente, ou seja, do Reino. Neste sentido Jesus não contraria a necessidade da obtenção material, mas alerta sobre o perigo tendencial dos meios virarem fins, da nossa existência não transcender a sua mera manutenção. Ademais é provável que o zelo de Jesus seja desanuviar todos os elementos que impedem perpassar os objetos rituais – quando os indivíduos visam estes objetos como meros meios para obtenção de um fim sem terem consciência da relação mais ampla da mediação proposta nos rituais e dos seus objetos; e se o próprio templo estiver contaminado, onde buscar a verdadeira compreensão?

Jesus não poderia se tornar mais compreensível tanto nas suas obras como nas palavras? Por que expôs um evento futuro tão incompreensível a partir de um instante presente questionado pelos judeus? Não há uma tentativa apologética de Cristo a todo custo e em todos os momentos. A resposta de Jesus aos Judeus trouxe uma incompreensibilidade ainda maior do que a própria questão produzida pelas suas reações e atos no templo, até a compreensão dos seus discípulos foi posterior: após a ressurreição de Jesus. Decerto o exercício da fé pressupõe paradoxos racionalmente intransponíveis, barreiras existentes pelo fato do pecado intrínseco a toda raça humana.

O verbo utilizado, da referência lembrada pelos discípulos, para descrever a afecção intrínseca de Jesus é katesthio, devorar por dentro. O que provocou Jesus a despertar tal afecção da alma? Que essência encontra-se nos movimentos pelo fluxo dos acontecimentos do eterno limitado ao finito? Como justificar tamanho zelo? O tropeço diagnosticado por Jesus da relação capitalista com a espiritualidade aponta a incompreensão do essencial: a espiritualidade não pode ser confinada à produção de elementos espirituais nas lacunas existenciais criando e suprindo necessidades à psique humana, em específico à satisfação a nível do sentimento. O templo como possibilitador transcendental da finitude em infinitude presentificado na forma humana, se indignou dos equívocos quanto ao verdadeiro objeto do télos humano: a sua morte e ressurreição não são meras simbologias, mas a pura efetivação da catarse ética e moral humana, a condição de possibilidade ao desfruto da esfera eterna.

Entretanto a compreensão do mistério nunca é automática, a fé que transcende a razão – mas ao mesmo tempo não prescinde desta – se efetua insuficientemente ao longo do caminho onde o verdadeiro templo transita. Aliás, ela se manifesta em graus e gêneros distintos de indivíduo a indivíduo, da apreensão sensível ao inteligível, ao produto final do apreendido sempre corre o risco do equívoco, doravante a tarefa será árdua, mas terá a validade garantida a toda humanidade concomitante ao risco da incompreensão.

Ao conhecedor das intenções humanas não vale a fé cosmética, é necessário atingir a gênese da intencionalidade humana, por conseguinte o remorso será genuíno, o diagnóstico correto efetiva a verdadeira terapia, estes indivíduos perpassaram os sinais e milagres de Cristo e visaram o Messias propriamente. A estes é chegado o Reino dos Céus.

Tuesday, October 2, 2007

João 2.1-11



A participação descrita de Jesus é num evento social. O fluxo dos acontecimentos é de caráter cotidiano, tanto da parte de Cristo como das ocorrências externas a ele.

O movimento natural dos eventos fluiria sem quebra exceto pela intervenção da sua mãe. O texto (3,5) parece pressupor algum grau de compreensão da mãe em relação ao filho quanto à sua capacidade em solucionar problemas. Aparentemente a resposta de Jesus choca (24): “o que tenho em comum contigo, mulher?” A união hipostática integra-o absolutamente com o pai e a sua consangüinidade com a mãe. Conjugado a isto, constata-se a sua submissão dual, ora aos desígnios dos pais terrenos (Lc 2.51) ora aos dos co-participante constitutivo do seu ser. Efetiva-se aqui o momento da cisão, doravante a sua submissão será exclusiva e sem interferência: é chegado o Reino de Deus na terra!

A conexão do que Jesus afirma a seguir com o antecedente é difícil (4): ainda não é chegada a minha hora. O que o timing de Jesus tem a ver com a sua dessemelhança em relação à sua mãe? Não sabemos. E quanto ao timing propriamente? Estaria ele fazendo remissão ao 17.1? Ou remeter-se-ia ao início da manifestação da sua divindade pelas suas obras?

O provador de vinho não foi um dos empregados nem qualquer dos convidados. Levaram o produto transformado àquele determinador dos consumos adequados ou não à festa; este não testemunhou o evento causal da transformação, constatou apenas o efeito. Ora, do ponto de vista da causalidade natural – toda causa tem o seu efeito, tanto no seu movimento anterior como no posterior, ad infinitum – ocorre o absurdo lógico, o efeito não seguiu a sua causalidade natural – o vinho teria que ter como causa a uva e assim por diante. Ao mestre-sala isto era mais do que evidente; os empregados, bem como a mãe de Jesus e os discípulos – os testemunhos do instante causal – não tinham como deduzir logicamente o ocorrido. Inicia-se assim a manifestação da glória divina.

O exercício idiossincrásico da fé é aferível quanto a sua validade qualitativa? O evangelho de João parece descrever os múltiplos pressupostos pelos quais as pessoas derivam a apreensão das obras e dos ensinamentos de Jesus. A finalidade de Cristo é levá-los à compreensão e conseqüente efetivação do Reino celestial na terra – cujos componentes essenciais são, portanto, intangíveis meramente na esfera da finitude humana. Ora, Jesus Cristo é o Reino, logo está em questão o ser dos indivíduos, a problemática toda não é de natureza física, mas meta-física, de natureza ontológica. Neste sentido os efeitos externos ao ser-humano são derivados das causas internas; por conseguinte à compreensão da fé é mister considerar os componentes que estruturam a possibilidade humana no campo ético e moral: a liberdade da vontade predisposto pelas faculdades sensíveis e inteligíveis e da faculdade da imaginação. Se o Reino como finalidade é de caráter interno, a sua efetivação é interna, a condição de possibilidade desta efetivação é o exercício da fé, a fé propriamente é incognoscível bem como a sua relação com as outras faculdades humanas.

Afigura-se a fé dos discípulos não da compreensão clara do Reino, ou seja, de quem Jesus é, mas provavelmente de uma percepção muito mais a nível do sensível, a gênese do aprimoramento de possíveis perspicácias perceptivas futuras.