Tuesday, September 18, 2007

João 1.29-51


Por que o cordeiro é o animal escolhido dentre todos os outros para a descrição daquele que incorpora, processa e desvencilha as trevas intrínsecas humanas? Na verdade, o leão é o outro animal selecionado desde o início (Gn 49.9) na configuração dialética da personalidade messiânica, embora este apareça num contexto teleológico (Apo 5.5), onde a inversão dos valores lógicos do poder que perpassa toda a história da humanidade se efetiva por meio daquele único capaz dessa efetivação, tarefa esta executada por meio da única motivação possível: o amor. Então, por que não cachorro, elefante, águia...?

A ovelha é o animal mais domesticado existente, de tal modo que não consegue ser um animal selvagem, implicando a dependência total do ser humano para cuidá-la em todas as áreas. Há um sofrimento implícito nesta dependência: a sua constituição intrínseca resulta num espírito não-agressivo, ausência de reações. É o que nos impressiona a respeito do silêncio de Cristo frente aos seus juízes (19.9). Vale remeter esta atitude à identidade do logos enquanto divino.

O leão é o animal antitético na identidade de Cristo, possuidor das propriedades intrínsecas de astúcia e valentia, condições esta da possibilidade em desanuviar as causas e por conseguinte os efeitos da má-escolha precedente do livre-arbítrio da vontade humana. João não identifica Cristo enquanto leão, mas este aspecto é identificável nas condutas de Cristo frente aos seus interlocutores.

Partindo dos elementos ontológicos que antecedem os seres num movimento de sucessão ad infinitum à direção da anterioridade visa-se atingir a sua gênese (30). Por esta metodologia está implícito, nesta perícope, o ser-humano como constituinte do ser infinito pela asserção da anterioridade – em relação a João – do eterno tornado sarkis.

O testemunho de João Batista do elemento epifenomênico (32) seria o primeiro indício da conexão da esfera terrestre com a celeste, da finitude com a infinitude, do humano na sua condição limitada com o humano na sua possibilidade da completude, símbolo da esperança soteriológica da conexão possível com a esfera da eternidade.

O próprio instrumental usado por João Batista contrasta com o de Jesus na proporção distinta entre os elementos pertinentes ao terreno dos elementos concernentes ao celeste (31): a água nós conhecemos, mas o que vem a ser o Espírito Santo? A imersão de um indivíduo num riacho é visível e inteligível, mesmo embora o que é efetivado no batismo seja incognoscível na sua completitude, o ato simbólico é testemunhável nos seus elementos sensíveis, mas como apreender o processo e a efetivação do batismo no Espírito Santo? Aqui, o Cordeiro divino se apresenta único em relação à humanidade em que podemos conhecer apenas os efeitos da sua realização soteriológica nas categorias da apreensão sensível, mas que por meio da fé podemos vislumbrar meros flashes de compreensão ao que oculta os seus atos.

João confessa a sua incognoscibilidade desses componentes eternos presentificados na finitude (31,33), ele é testemunho do que vê e anunciador dos mistérios ocultos nos fenômenos vistos sem que ele mesmo tenha a chave total desta compreensão. Entretanto aquele que o enviou para batizar Jesus e o testemunho presenciado foram indícios suficientes à constatação de Jesus como o ente divino (34).

O que se espera de um ente pertencente ao universo da infinitude no universo finito? No primeiro momento uma vida comum a todos mortais: moradia, alimentação... No segundo momento, indícios da sua onisciência aparecem no movimento da escolha dos seus discípulos. Mistos da arbitrariedade humana e da determinação divina se efetivam pela primeira vez na história da consciência humana onde o movimento do divino imanente ao humano dá lugar à transcendência de até então. Requer-se dos discípulos, judeus e gentios da época e da nossa compreensibilidade hoje a graça recebida ao exercício da fé para se beneficiar ou não da amplitude da compreensão daquele que transcende a finitude, que ao imergir na finitude criou condições de possibilidades aos que ele encontrou neste novo meio a participar do seu meio originário (51).

João 1.1-28


Gênesis 1.1 descreve a gênese da criação do Criador, Jo 1.1 a gênese do Criador da criação.

Entretanto a descrição arqueológica do Criador é deveras sucinta: No princípio era o logos, o logos estava com Deus e o logos era Deus, o logos foi a fonte da criação e a vida propriamente (1-4). Não há uma análise descritiva suficiente à compreensão racional clara da estrutura ontológica do Criador. Se já encontramos dificuldades em analisarmos e compreendermos a estrutura ontológica humana na esfera da finitude quanto mais uma estrutura situada no campo da infinitude! Assim sendo parece-nos suficiente a mera indicação do logos como a gênese de todas as gêneses, a razão de ser da vida propriamente e a possibilidade da iteração racional da vitalidade, prerrogativa da raça humana, inclusive a possibilidade relacional transcender a condição limítrofe do universo finito e apreender algo do universo infinito.

O privilégio da compreensão humana da essência, porém, não é dada no primeiro momento, aliás, é vedada e esta interdição é constatável empiricamente. A treva é a constituição primeira da sua interioridade, opõe-se essencialmente da fonte primária de todas as coisas, a pura luz. Anuncia-se a lógica do desvanecimento das trevas pela luz, uma metáfora que visa o componente preeminente da estrutura ontológica humana: o elemento ético/moral. João reconhece isto na sua própria pessoa, ele não era a luz (8), apenas o testificador e apresentador da luz (7), o reconhecimento da sua condição – daquele que não é digno sequer em desamarrar as sandálias do portador da luz – não demonstra mera atitude sociavelmente favorável, remetia à consciência da diferença entre o seu ser insuficiente que é e àquele único Ser propriamente – suficiente e completo nele mesmo.

O tornar-se/transformar-se da essência na finitude é a condição de possibilidade do finito participar da essência (14). O desacato ao princípio-da-não-contradição é evidente aqui, o essencial não pode se tornar acidental e tampouco o acidental no essencial, no entanto, demonstra-se essa possibilidade por meio do uso da faculdade mais desprezível dos grandes filósofos: a fé (12). Tornar-se parte da essência não é meramente tornar-se mais uma das engrenagens de um motor, a metáfora alternativa é a da instituição familiar e não da interação mecânica, a pertença mais íntima possível da sociedade humana, o laço mais afetivo e forte ao nível da consciência e do âmbito físico, ademais, dentro desta conexão a relação pai e filho certamente é o mais coeso: Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome (12).

Se o princípio é humanamente contraditório há de se justificar por um princípio fora da lógica humana, há de se transcender o que rege e limita os princípios humanos – a vontade humana – pela vontade divina (13).

O processo da salvação se dá linearmente na história. A lei, dada por meio de Moisés é o elemento necessário, mas não suficiente à completude humana. O telos da lei é Jesus Cristo (Rom 10.4), é ele a finalidade, fim e completude da lei visando a salvação humana. Se a lei prescreve tudo o que é necessário ser feito por que então seria insuficiente? Eis o grande tema que perpassa toda a Escritura! Torna-se necessário compreender o como a ação de Jesus Cristo efetiva a completude humana neste processo soteriológico.

O invisível, por ser intangível e, portanto incompreensível se torna visível, tangível, mas até quanto compreensível? È possível apropriar-se sem compreender? Há uma angústia neste ponto: a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam/ apreenderam (5). Os limites do ato e da compreensão humana da luz obrigam-no ao exercício da fé. A necessidade do uso desta faculdade aparentemente impotente desafia a imponente faculdade do juízo da razão, sem que esta tenha uma função prescindível no processo. A lógica desta necessidade de uso advém da revelação como o objeto da compreensão. Ora, a única justificativa quanto ao critério da Revelação como da verdade pura é a incompreensível graça subjetivada em alguns indivíduos.

Neste ponto torna-se mais claro o porquê do João Batista ser incompreendido pelos líderes religiosos da época, bem como o próprio Jesus posteriormente. A graça de compreender o quadro na sua totalidade não foi concedida aos líderes oficializados. Neste sentido, ao João não foi outorgado as credenciais que lhe desse aval às suas preleções, porém parece ter ele correspondido a certos anseios espontâneos íntimos de vários judeus, cuja influência preocupou os sacerdotes e levitas de Jerusalém.

Do ponto de vista político-social o paradoxo é evidente: João, portador de uma compreensão meta-lógica dos eventos, em confronto com os líderes religiosos, portadores de uma compreensão imanente à lógica vigente, a pretensão constante ao poder em confronto com o reconhecimento da total impotência frente ao absoluto cria uma cena patética de interlocutores cada qual dialogando a partir de lógicas totalmente distintas. A condição de clausura interna, pela subserviência resultante da própria vontade de poder um dia lograr a posição de uma autoridade hierárquica superior, em interlocução com aquele cuja certeza de obter o que há de mais essencial à existência, coloca este num estado de total negação a todas prerrogativas vigentes garantidoras ao direito de prescrever os princípios e as leis necessários à ordem político-social do povo. Neste non-sense João aponta à necessidade de endireitar a atitude destes líderes (23).