Por que o cordeiro é o animal escolhido dentre todos os outros para a descrição daquele que incorpora, processa e desvencilha as trevas intrínsecas humanas? Na verdade, o leão é o outro animal selecionado desde o início (Gn 49.9) na configuração dialética da personalidade messiânica, embora este apareça num contexto teleológico (Apo 5.5), onde a inversão dos valores lógicos do poder que perpassa toda a história da humanidade se efetiva por meio daquele único capaz dessa efetivação, tarefa esta executada por meio da única motivação possível: o amor. Então, por que não cachorro, elefante, águia...?
A ovelha é o animal mais domesticado existente, de tal modo que não consegue ser um animal selvagem, implicando a dependência total do ser humano para cuidá-la em todas as áreas. Há um sofrimento implícito nesta dependência: a sua constituição intrínseca resulta num espírito não-agressivo, ausência de reações. É o que nos impressiona a respeito do silêncio de Cristo frente aos seus juízes (19.9). Vale remeter esta atitude à identidade do logos enquanto divino.
O leão é o animal antitético na identidade de Cristo, possuidor das propriedades intrínsecas de astúcia e valentia, condições esta da possibilidade em desanuviar as causas e por conseguinte os efeitos da má-escolha precedente do livre-arbítrio da vontade humana. João não identifica Cristo enquanto leão, mas este aspecto é identificável nas condutas de Cristo frente aos seus interlocutores.
Partindo dos elementos ontológicos que antecedem os seres num movimento de sucessão ad infinitum à direção da anterioridade visa-se atingir a sua gênese (30). Por esta metodologia está implícito, nesta perícope, o ser-humano como constituinte do ser infinito pela asserção da anterioridade – em relação a João – do eterno tornado sarkis.
O testemunho de João Batista do elemento epifenomênico (32) seria o primeiro indício da conexão da esfera terrestre com a celeste, da finitude com a infinitude, do humano na sua condição limitada com o humano na sua possibilidade da completude, símbolo da esperança soteriológica da conexão possível com a esfera da eternidade.
O próprio instrumental usado por João Batista contrasta com o de Jesus na proporção distinta entre os elementos pertinentes ao terreno dos elementos concernentes ao celeste (31): a água nós conhecemos, mas o que vem a ser o Espírito Santo? A imersão de um indivíduo num riacho é visível e inteligível, mesmo embora o que é efetivado no batismo seja incognoscível na sua completitude, o ato simbólico é testemunhável nos seus elementos sensíveis, mas como apreender o processo e a efetivação do batismo no Espírito Santo? Aqui, o Cordeiro divino se apresenta único em relação à humanidade em que podemos conhecer apenas os efeitos da sua realização soteriológica nas categorias da apreensão sensível, mas que por meio da fé podemos vislumbrar meros flashes de compreensão ao que oculta os seus atos.
João confessa a sua incognoscibilidade desses componentes eternos presentificados na finitude (31,33), ele é testemunho do que vê e anunciador dos mistérios ocultos nos fenômenos vistos sem que ele mesmo tenha a chave total desta compreensão. Entretanto aquele que o enviou para batizar Jesus e o testemunho presenciado foram indícios suficientes à constatação de Jesus como o ente divino (34).
O que se espera de um ente pertencente ao universo da infinitude no universo finito? No primeiro momento uma vida comum a todos mortais: moradia, alimentação... No segundo momento, indícios da sua onisciência aparecem no movimento da escolha dos seus discípulos. Mistos da arbitrariedade humana e da determinação divina se efetivam pela primeira vez na história da consciência humana onde o movimento do divino imanente ao humano dá lugar à transcendência de até então. Requer-se dos discípulos, judeus e gentios da época e da nossa compreensibilidade hoje a graça recebida ao exercício da fé para se beneficiar ou não da amplitude da compreensão daquele que transcende a finitude, que ao imergir na finitude criou condições de possibilidades aos que ele encontrou neste novo meio a participar do seu meio originário (51).